quinta-feira, 24 de abril de 2014

Entre Jesus e a cruz

Foto: João Caldas - © T4F/Time For Fun


                  Jesus Cristo Superstar, este é o nome do musical que está em cartaz no teatro do complexo Othake Cultural em Pinheiros/SP. O nome nos remete a um Jesus estrela, um Jesus que busca e anseia por atenção. Mas há muito mais por trás desse pano do que se pode conceber.
                Antes de mais nada o espetáculo trata Jesus como um de nós, um ser humano com seus medos, anseios, desejos, inseguranças, dúvidas, amores. E talvez seja isto que incomode tanto os contínuos protestantes (de protestar, não da religião) que se acumulam em frente ao teatro em quase todas as sessões e que na última sexta-feira (sexta da Paixão) chegou a reunir mais de 100 manifestantes em frente ao teatro, obrigando a presença da Polícia e de cordões de isolamento. Incomoda, pois não trata Jesus como divino o tempo todo, não o coloca como salvador absoluto e ainda o expõe com suas dúvidas, todas elas inseridas na principal “oração“ da peça “Getsêmani”, cantada e interpretada com tamanha paixão e entrega por Igor Rickli.

Foto: João Caldas - © T4F/Time For Fun

                   O musical é considerado uma Ópera-Rock, ópera pois termina em tragédia, sim um spoiler desconhecido, Jesus morre no final. Rock pois todas as músicas são bem pesadas em metais e guitarras o que deixa a peça com uma dinâmica intensa da primeira à última música, que por acaso são ambas cantadas por Judas (Alírio Netto) que com sua voz conhecidamente “metaleira” dá o peso necessário as canções.
                As interpretações são primorosas, todas lapidadas com atenção pelo diretor Jorge Takla. Igor Rickli como Jesus dá todas as nuances ao papel, todos aqueles sentimentos que nos tornam humanos são perceptíveis em suas “falas” (o musical é 100% cantado) e olhares; Alírio Netto como Judas e amigo de Jesus sempre apresentando suas dúvidas quanto ao plano de Cristo e insegurança ao cumprir sua tarefa e Negra Li como Maria Madalena e seu sentimento amoroso/materno quanto a Jesus, tentando protege-lo das angústias e dores de ser quem é. O Ensamble é extremamente talentoso com destaques a Rogério Guedes fazendo um bem maligno e sem coração Caifás e com seu tom de voz (baixo profundo) nos passa a sensação de pavor pelo som que ecoa; Fred Silveira como Pilatos, com interpretação impecável como juiz de Jesus, Wellington Nogueira fazendo o ShowStopper do musical, num número surpreendente e irreverente diante de tanto peso da última semana de Cristo e Beto Sargentelli que apresenta uma música que nos remete a um ritmo mais Gospel e o faz com um brilho e talento incríveis.

 
Foto: João Caldas - © T4F/Time For Fun
                A peça tem uma hora e quarenta e cinco minutos de espetáculo, tanto para os olhos quanto para o coração. Para este crítico, “uma peça de teatro só cumpre sua função se o expectador sair diferente de quando entrou”, e esta peça cumpre com isso. Por mais que as pessoas discordem do que é apresentado (o que não aparenta ser comum) elas ainda questionam, e esta é a grande função do teatro, colocar o espectador para questionar, para pensar, para ser livre de ideias e ideais. Muitos saem comovidos, se veem divididos na música título quanto a aplaudir o que foi cantado ou se conter pelo que foi apresentado. Mas ninguém, arrisco dizer, ninguém sai da mesma forma que entrou.
                No fim quem assistiu concorda que o espetáculo faz uma crítica as inúmeras religiões que se criam por aí, sem defender nenhuma igreja ou credo o musical nos faz pensar se não acabamos tornando a cruz o maior espetáculo religioso, do que o próprio Jesus. Será que vivemos o que ele ensinou e o que ele viveu? Ou estamos ainda vivendo e seguindo o que as igrejas nos pedem? Quem assistir ao espetáculo entenderá que a música título acaba dando mais destaque ao show do que ao próprio Jesus. Será que não é isso que tudo acabou se tornando? Eu digo, após 8 anos sem muito contato com alguma religião, este espetáculo me colocou em contato com meu lado espiritual, pois acabei me vendo entre Jesus e a cruz, e cada um decide depois para qual lado seguirá.

 
Foto: João Caldas - © T4F/Time For Fun
 
                Numa escala de 0 a 10 o espetáculo atinge nota máxima pelo cuidado em todos os aspectos, desde visual até emocional. Luz, figurinos, maquiagem e talentos estão todos muito bem alinhados para que o show se torne único e sim, inesquecível.
                Em cartaz até dia 08 de junho este é um musical imperdível.



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